domingo, 7 de dezembro de 2008

VI

Minha mãe me deu a luz duas vezes. Na segunda, eu nasci para a vida espiritual.
Isso aconteceu quando eu já tinha algum conhecimento da doutrina dos espíritos, freqüentava habitualmente uma casa de estudos e passes, mas ainda vivia em torno dos meus próprios problemas.
Filhos pequenos, um adolescente com sérios problemas, instabilidade financeira eram alguns dos ingredientes do meu cardápio diário.
O ano era o de 1996. Naquela ocasião, o trabalho estava escasso, as perspectivas profissionais pouco atraentes, o que mais me ocupava eram os estudos da casa espírita e a tarefa assistencial que iniciara. Estávamos – as crianças, meu marido e eu – morando em casa de minha sogra . Agradecida por ter um teto, apesar de todas as dificuldades, me motivara a participar de um trabalho com população de rua.
O quadro geral era esse, quando tive a notícia que minha mãe estava com câncer.
Até aí, a ficha ainda não tinha caído totalmente. Só acordamos quando, após a operação, recebemos a informação que o útero não poderia ser removido.
Essa situação, só aqueles que passaram por ela podem compreender – é indescritível. Por isso, ficamos meio avoados, sem entender nada.
Naquele momento, tive que crescer, não podia mais estar, ali, a filha preocupada e nervosa, tinha que estar alguém que pudesse conduzir aquela situação, de forma firme e serena.
O instante da dor teve que ser substituído pela ação tranqüila e tranqüilizadora, mas aonde eu recorreria para encontrar essa força que eu precisava?
Foi quando eu percebi a verdade. Só, dentro de mim mesma, eu poderia buscar forças. A coragem viria da Fé. O mais lindo nisso tudo é que eu descobri que tinha essa Fé. Foi com ela que eu pude caminhar, nos longos meses que tivemos que atravessar - todos juntos.

*****

Durante o período que a minha mãe esteve em tratamento nos aproximamos muito. Passei a ter com ela a preocupação que nunca havia tido. A família toda se uniu mais, amadureceu junto.
Tivemos muita ajuda, de toda a parte, inclusive, e principalmente, a espiritual. Uma situação interessante, de se comentar, que apesar de católica, praticante, ela teve abertura, suficiente, para se submeter a uma cirurgia espiritual. O médico, que a operou espiritualmente, viveu aqui na terra, exercendo a homeopatia, seu nome é rua, no bairro do Méier: Dr. Aristides Caire.
Nessas horas, muitas informações chegam, de toda a parte, a gente precisa estar sintonizado com o mundo maior, para que as ajudas sejam captadas. Um dos auxílios que ela recebeu foi um tratamento fitoterápico, realizado pelo Laboratório de Ervas Medicinais, da Universidade de Piracicaba. O Prof. Walter Accorse, que já não está mais entre nós, era o responsável pelo tratamento e sua filha quem atendia o público, enviava os remédios pelo correio, continua até hoje essa tarefa.
Essa terapia foi fundamental para que ela pudesse suportar a violência da quimioterapia e mantivesse o sistema imunológico ativo.
Era uma profusão de remédios, o Aveloz, como o carro chefe, uma planta considerada venenosa, mas que tratada, na dosagem certa, tem atuação significativa no combate ao câncer. Lembro-me, ainda, de alguns nomes como: o óleo de copaíba, o ipê roxo, o confrei, unha de gato. Meu pai preparava aquilo tudo, de forma organizadíssima, para que nenhum deles ficasse esquecido, ou o horário fosse perdido. O relógio de pulso tinha um despertador, para avisá-la durante o período que ela estava no trabalho.
Outra parte, que acredito ter sido importante para a sua recuperação, foi não parar as atividades. Como diz o ditado popular: “cabeça parada é oficina do diabo”.
Antes de iniciar a primeira quimioterapia ela já havia escolhido uma peruca, igualzinha ao cabelo natural , para que os alunos não estranhassem.
Foi uma preparação, interna e externa, para a nova realidade com a qual ela teria que conviver, sem ter a menor idéia por quanto tempo.
Seu processo de tratamento foi uma terapia coletiva, da qual muitos participaram ativamente. Não só a família e os amigos, mas os alunos, professores, funcionários acompanharam de perto, dando muita força, mas aprendendo também.
Nessa época eu já tinha começado a trabalhar na tarefa de passes do Centro Espírita e pedi para participar do trabalho de visita aos doentes no Hospital Miguel Couto. A ocupação com outras pessoas que tinham problemas foi muito importante para que eu pudesse lidar com os meus próprios problemas. Como um bálsamo que aliviava a minha alma, fortalecendo os sentimentos, criando novos recursos para lidar com as dores e os sofrimentos.

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